Viver com o espírito das árvores

Ilustrações históricas de árvores como portões da alma

Viver com o espírito das árvores

Artigo de Fred Hageneder em “Mensch & Sein” (Homem & Ser), Munique, fevereiro de 2000

 

Árvores são guardiãs que protegem toda a vida na terra, da mesma forma que uma árvore isolada nos oferece sombra refrescante no sol de verão. Por causa desta preservação de toda vida e da condução da nossa viagem espiritual, árvores, no mundo todo, foram respeitadas e amadas pelo homem e contempladas com oferendas. Documentos sobre isso vem de mais de 6000 anos, da Idade da Pedra. Somente no Século XX isso mudou completamente devido à industrialização e da mentalidade de pilhagem.

O que faz das árvores algo especial? Como os nossos ancestrais mostraram seu respeito às árvores e o que podemos fazer hoje?

 

Florestas Primárias – Preservadores do equilíbrio

A propensão da convivência pode ser observada em toda natureza, até na física de partículas. Mas em nenhum local ela está tão óbvia quanto na comunidade silvestre. Com sua diversidade, seu trabalho em equipe, sua adaptabilidade inteligente, ela é a expressão mais íntima da personalidade do planeta Terra. Por isso, a floresta é a forma de vida dominante (com exceção dos oceanos) por centenas de milhões de anos.

Em medições abrangentes, foram pesquisadas correntes elétricas nas árvores. Os campos bio-elétricos das árvores reagem sensivelmente na mudança de luz e escuridão, nas estações, nas fases lunares, no ciclo de atividade de manchas solares, na energia aérea e na mudança no campo magnético da terra. Cada mudança, cada evento na natureza, se reflete no interior das árvores.

Nos meados dos anos 1970, botânicos russos já examinaram os anéis anuais de um antigo zimbro (Juniperus turkistanicus) de 807 anos na serra de Serawaschan. Os anéis mostraram exatamente as supernovas que aconteceram na nossa galáxia (desde que foram observadas: 1604, 1770 e 1952): Nenhuma estrela da via láctea pode morrer despercebida pelas árvores terrestres!

Durante a juventude de uma árvore, a força das correntes elétricas aumenta anualmente. Doenças, por outro lado, se mostram primeiramente num enfraquecimento da atividade eletrônica, muito antes de aparecerem sintomas no metabolismo bio-químico.

Plantas, por causa do fluxo de líquido, são condutores elétricos. Árvores em especial reduzem a tensão aéreo-elétrica entre a terra e a ionosfera (o que também fica evidente no seu papel de pára-raios). Conforme uma lei física, cada condutor, quando atravessado por tensão, produz um campo eletromagnético. Outra lei física ensina que estes campos eletromagnéticos se fortalecem mutuamente, correm paralelamente e a corrente flui na mesma direção. Exatamente isso acontece com árvores, e muitas centenas de milhões de árvores são envolvidas na construção e manutenção do campo magnético da terra, o escudo que preserva toda vida terrestre dos nocivos raios cósmicos.

 

Bosques sagrados – portas para o mundo espiritual

É natural que os humanos tenham procurado sempre o encontro com o super-humano, com o “eu maior”, com o divino, abaixo de árvores vivas. Bosques sagrados são o local natural para manifestar alegria e gratidão à natureza, para fechar o círculo de dar e receber.

Na Índia, cada tribo e cada povoado tinha a sua árvore sagrada, um costume antigo que não modificou com o hinduísmo ou o budismo – ao contrário. As três divindades hindus do processo criativo (Brahma – o criador, Vischnu – o protetor, Shiva – a destruidora) são representadas como os três troncos principais da árvore do mundo. Os Rig-Veden denotam Brahma como a árvore do mundo infinito que manifesta sua essência na árvore. Assim, o príncipe Siddharta escolheu uma vetusta Pippala (Ficus religiosa), a árvore de Brahma, para os seus últimos passos para a iluminação. O local já foi um destino de peregrinação, um santuário de árvores, antes do Siddharta. Depois do Budda, a Pippala se tornou árvore-bodhi, “árvore da iluminação”. Também se tornou o símbolo do budismo. Na Índia há árvores sagradas até hoje.

No Japão, os templos antigos da religião primária (Shinto) são árvores. No decorrer do tempo, foram adicionados altares às árvores, e não o inverso.

Entre as tribos da Europa pré-cristã não foi diferente. Os druidas são conhecidos por seus bosques sagrados. Além do seu papel como padre, curador e xamã (lado cerebral direito), os druidas também eram eruditos (lado cerebral esquerdo), e foram respeitados até por escrivães e filósofos gregos contemporâneos. A essência do ensinamento druídico está no poder da palavra – falada ou escrita – e este poder da palavra vinha da floresta: o alfabeto bárdico das árvores. Parecido com a cabala antiga judaica, ele percebe cada letra do alfabeto hebraico como linha de energia na árvore do mundo ou da vida e as conecta com valores numéricos e conteúdos espirituais. No alfabeto antigo irlandês, as letras tem nomes de árvores e tanto a árvore quanto a letra encarnam diversos aspectos do ser. Tanto na língua celta como nas línguas germânicas, os termos aprender, saber, e sabedoria são parentes próximos dos termos floresta e árvore (por exemplo “Buche” – faia, “Buch” – livro e “Buchstabe” – letra). Já pelo nome, os druidas eram “conhecedores das árvores e florestas”.

Ilustrações históricas de árvores como portões da alma

Imagem: Em muitas culturas, a árvore aparece como uma porta para outros estados de ser. Esquerdo: A árvore do mundo mesopotâmio, que se tornou árvore da luz (Menorah) na antiga religião judaica. Direita: Anubis, antigo deus da morte egípcio, leva a alma do defunto ‚através da árvore‘ para o portal do inferno.

O santuário típico da Grécia antiga também era um bosque sagrado e não um local seguindo o atual clichê de templo de mármore branco. Mesmo no centro da acrópole tinha as oliveiras sagradas de Atena. Os bosques sagrados foram considerados como tão intocáveis, que tinham até o poder de oferecer asilo para os perseguidos políticos ou criminais – um pensamento que a igreja cristã reatou muito tempo depois. Como as divindades gregas tinham se desenvolvido de eternos espíritos da natureza, e especialmente espíritos de árvores, era natural que elas tivessem os bosques consagrados a elas, compostos pela respectiva espécie de árvore: Apolo foi reverenciado em bosques de louro, Afrodite abaixo do mirto, Pan no pinheiro etc. Zeus (Júpiter em Roma) foi visto dentro do carvalho desde o início, e a sua veneração provavelmente começou no bosque de carvalhos de Dodona. Esse era um oráculo de árvores no Épiro grego, cuidado por sacerdotisas locais e tão famoso e significante quanto o oráculo de Delphi (um santuário do Apolo e do louro). Dodona foi um local de peregrinação importante durante quase 2.000 (!) anos. O último relato é datado no Século IV. Governos, estilos de vida, guerras e eras inteiras passaram, enquanto nos bosques como Dodona o homem falava com a árvore e a árvore com o homem na mais profunda paz.

Oferenda sacrifical na árvore sagrada, altar de Cybele

Imagem: Oferenda sacrificial na árvore sagrada. Cena na pedra do altar de um antigo templo grego da Cybele.

 

O futuro das árvores e dos humanos

No nível etérico, cada espécie de árvore ressoa com frequências diferentes do seu ambiente. No inverno, as árvores agem como antenas, que captam a diversidade das forças cósmicas da criação. Consequentemente, cada espécie de árvore tem qualidades diferentes que irradiam no seu entorno. As pessoas sentiam isso desde o início dos tempos e procuraram distintas árvores em específicas épocas. Sempre utilizaram um tipo de árvore/madeira distinta para fins específicos. Por exemplo, os celtas utilizaram os galhos da bétula, que está na natureza no início do ciclo vital da floresta, para fazer berços. Os germanos valorizavam e exigiam ser cremados com uma espécie de madeira específica. Pompa e ostentação desinteressavam.

Nos dias de hoje, temos que fazer o que for possível para manter algo para aqueles que nos seguem. Nós humanos não somos o centro do universo, mas criaturas entre outras, dentro de um sistema vivo muito maior. A Terra não nos pertence, mas pertencemos à Terra.

E como todas as criaturas na grande rede da vida, o homem também tem suas tarefas – que ninguém pode fazer por ele. Nossa capacidade intelectual e possibilidades técnicas nos dão uma responsabilidade especial. Ser humano significa resistir à autodestruição cega pela cobiça, e ganhar verdadeira dignidade em agir com solicitude e respeito para todo ser vivo. Assim, a antiga amizade entre homem e árvore pode florescer novamente.

 

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