O teixo e falsos conceitos na história religiosa

Fred Hageneder sitting in ancient yew tree

O teixo e falsos conceitos na história religiosa

Entrevista com Fred Hageneder em Sichtung (uma revista mensal alemã), julho de 2007

 

Fred Hageneder sitting in ancient yew tree

P: Seu novo livro, Yew – A History (Teixo – uma história), pesquisa uma variedade de esferas da vida humana, como instrumentos musicais, jardinagem, religião e bosques sagrados. Quem você pretende atingir com este livro, quais são os focos?

Fred Hageneder: Além da pesquisa profunda da botânica desta árvore – um campo cheio de surpresas – acredito que o fio da meada que atravessa todos os aspectos culturais da história do teixo é espiritual. Dizendo isso, não falo sobre algumas idéias exóticas e supersticiosas, mas sobre o âmago do significado da palavra. A procura humana do significado da vida, as ‚perguntas eternas‘: De onde viemos? Para onde vamos? O que está além da morte? No mundo todo, encontramos os teixos associados a esta parte da vida humana, ou seja na filosofia, religião e nos ritos de nascimento e morte. Em muitas culturas antigas, o teixo, mais que qualquer outra árvore, foi parte de uma abordagem holística e abrangente da vida e da morte. O teixo também estava presente em instrumentos musicais, ferramentas de cozinha, construções de pontes ou ritos de enterro. Fazia parte de praticamente todos os aspectos da vida humana.
Então, este livro é para qualquer pessoa interessada em qualquer assunto sobre árvores. A história cultural e religiosa tem ênfase neste volume simplesmente porque é forte na história desta árvore. O livro também contém fotos extraordinárias e raras da botânica do teixo, especialmente das árvores e de diversos artefatos de teixos.

P: Qual é o fundamento da sua pesquisa? E porquê está vendo justamente o teixo tenebroso e melancólico como o símbolo antigo da árvore da vida?

Fred Hageneder: Conheço, provavelmente, cada livro publicado desde os meados do século XIX sobre a mitologia e os aspectos religiosos das árvores. Os meus livros anteriores The Spirit of Trees, The Heritage… (O espirito das árvores, A herança…) e The Living Wisdom of Trees (A sabedoria viva das árvores), considero como compêndio, como uma sinopse do conhecimento ‚ocidental‘ sobre este assunto. Em Yew – A History (Teixo – uma história) definitivamente dei um passo adiante: vasculhei os volumes da arqueologia geral, história, mitologia e literatura, procurando sempre o que foi ignorado no passado. E assim juntei muitas coisas!
Dois exemplos: Em muitos museus de toda Europa e além, se encontram velhos e antigos artefatos que claramente mostram gravetos coníferos em objetos de cultos. Gravetos com agulhas, não arranjadas em espirais, como em espruce (Picea), nem com agulhas excessivamente longas, encontradas em muitas espécies do pinho (Pinus), mas na proporção do teixo, partido organizadamente, e muitas vezes até 1:1 o tamanho real do teixo Taxus baccata. Foi uso dos antropólogos do século XIX homenagear a sua criação cristã, declarando leques de palmeira todos os motivos de galhos, porque o povo de Jerusalem saudou Jesus com leques de palmeira. Hoje em dia, os arqueólogos não fazem mais hipóteses ou ofereçem interpretações, mas artefatos de galhos ainda são chamados de ‚palmette‘, o que é bastante enganoso.
A confusão linguística é mais grave ainda. Os autores romanos clássicos já erraram na tradução dos nomes de árvores em textos gregos; a palavra antiga grega de ‚árvore sagrada‘ foi traduzida para o latim como ‚carvalho sagrado‘. Isso também ocorreu, quando o antigo testamento foi traduzido para o latim e depois para línguas européias. A palavra em hebraico de ‚árvore sagrada feminina‘ foi traduzida como ‚terebinth‘ (Pistacia terebinthus, relacionada às árvores de pistache), a palavra em hebraico para a ‚árvore sagrada masculina‘ virou ‚carvalho‘. Com alguns séculos de lenda de Robin Hood, o bom e velho carvalho obteve mais história religiosa do que tinha originalmente, enquanto o teixo a perdeu.
Se você agrupar essas informações minuciosamente, muitas coisas que foram perdidas por mais de 2 milênios serão descobertas. Além disso, temos novos discernimentos de recentes descobertas etnologicas, histórias e de achados arqueológicos. Finalmente, o que está surgindo, não é nada mais do que um conjunto de evidências que comprovam que o teixo foi a Árvore do Mundo original. Isso não tem nada a ver com as minhas opiniões pessoais. A única coisa que eu posso contribuir de forma criativa para este corpo de evidências, fora o gigantesco trabalho de compilar tudo, é a observação que o teixo também é a única espécie de árvore cuja extensão de distribuição natural coincide com os territórios daquelas culturas antigas que tem a tradição da Árvore do Mundo: Britânica, Escandinava, Turca, Iraniana, Indiana, Chinesa, Japonesa. Todas essas culturas tem espécies muito diferentes de carvalho, sorveira brava ou freixo, mas todas tem um único teixo.

P: Então, e a velha Árvore do Mundo nórdica. Yggdrasil não foi um freixo?

Fred Hageneder: ‚Freixo mundial‘ é um termo que apareceu apenas há poucos séculos e não nos poemas e sagas islandesas originais. Surgiu só nas interpretações do material em literatura secundária, numa época quando os textos originais não eram mais entendidos no seu contexto e com seu significado original. A poesia antiga skaldica, uma arte elaborada por poetas profissionais e a segunda mais importante, apenas atrás da tradição bárdico celta, sumiu na Idade Média. As características mais importantes da poesia skaldica é obscurecer o significado das coisas, e nunca chamar o objeto em questão pelo nome: um barco pode ser chamado um ‚cavalo de ondas‘, uma flecha uma ‚abelha ferida‘, um guerreiro de ‚árvore de batalha‘ (veja Kenning em Wikipedia.). Isso foi um código que só pôde ser decifrado por quem tinha um conhecimento profundo da mitologia nórdica, uma linguagem para os iniciados, que serviu para o entretenimento em competições de espirituosidade poética, além de ter sido muito útil para esconder coisas dos olhos sempre atentos dos missionários. Séculos mais tarde, estudiosos da Alemanha e da Grã-Bretanha encontraram o material e interpretaram as expressões literalmente. Em dois lugares das Eddas, a Árvore do Mundo é chamada de askr, um termo que realmente se traduz como freixo, mas também era a palavra para um tipo específico de tigela de madeira na Islândia antiga. A associação de um recipiente como uma tigela, derramando algo, com a Árvore do Mundo é universal. Simboliza o néctar, o alimento dos Deuses (‚orvalho de mel‘ na tradição nórdica), mas também a chuva fertilizante, descendo do paraíso e sendo canalizado para o mundo humano através da árvore que dá a vida.
E isso é um outro aspecto do Yew – A History: tento mostrar, através da religião comparativa, como estes símbolos são realmente anciãos. Não adianta olhar certas tradições de determinadas regiões isoladamente. Temos que tentar ver a imagem toda: como os símbolos migravam na da terra, como a revolução agrária não levou apenas os sementes para novos lugares, mas também a mitologia da espécie da planta. Por isso podemos encontrar estes paralelos notáveis entre a tradição de árvores celtas e nórdicas e culturas anciãs Hittite ou dos proto-Sumerios de 3 ou 5 milênios antes das Eddas serem escritos. Os traços vão do passado até meados da Idade da Pedra. Isso está enfatizando a nossa origem em comum – europeus, persas, caucasiano, ou japonês – somos todos filhos da Árvore do Mundo.

P: O sr. descreveria o seu trabalho mais como esotérico ou científico?

Fred Hageneder: Bem, o que significa ‚esotérico‘? Detesto quando alguém diz que anjos ou alienígenas ou espíritos de árvores lhe falaram alguma coisa e que agora devemos todos agir conforme o que foi dito. Isso cria um guru e seguidores sem dignidade ou capacidade mentais próprias. Mas este tipo de comportamento humano não significa automaticamente que espíritos de árvores não existem. Acredito que há muitas coisas que a nossa mente humana limitada e os nossos sentidos não podem compreender, e até que saibamos melhor, devemos tratar tudo com respeito, especialmente as coisas vivas.
É uma curiosidade inata que me direciona para a pesquisa. Quero entender cada vez mais esta criação complexa e linda! Não apenas para a pesquisa profissional, mas também por curiosidade pessoal devemos verificar e questionar as nossas fontes de informação – principalmente as informações que vem de fora mas também, de vez em quando, as nossas próprias crenças, motivações e preconcepções. Acredito ser ‚holístico‘ na minha abordagem da ciência. A metafísica não me assusta. Estou ciente da psicologia e sua influencia nas nossas descobertas e, principalmente, nas nossas procuras.

P: Quais são os seus planos para o futuro?

Fred Hageneder: Trabalhei neste livro durante quatro anos. O teixo me levou para uma viagem através de milênios. Passei um tempo maravilhoso em baixo das árvores mais antigas da Europa e da Turquia, mas passei muito tempo em cemitérios britânicos, procurando teixos antigos e me isolei demais. Sinto a necessidade de voltar a atualidade, para a música, para o encontro com pessoas (vivas). E ainda tem uma semente que começou a germinar dentro de mim: um livro geral de árvores para crianças. [veja Tree World]

P: Muita sorte com tudo! E obrigado pela entrevista.

 

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